Eu tenho uma relação no mínimo complicada com meu avô.
Ele se separou da minha vó no ano em que eu nasci, mas continuou visitando nossa casa (eu moro com minha vó). Então eu cresci achando que avôs visitavam avós, que essa era a relação padrão para avôs e avós.
Daí eu cresci e descobri que não era assim. Na verdade só descobri quando eu tinha 13 anos e o divórcio finalmente saiu. Mas não fez diferença porque ele continou nos visitando.
Foi só em 2006 que, por uma birrinha, eles pararam de se falar e meu avô, dramaticamente, cortou relações com a maioria da família, nunca mais pisou aqui e pediu para que no velório dele, nenhum de nós, sua antiga família, comparecesse.
Depois de um tempo, não lembro bem porque, alguém em casa teve a feliz idéia de falar 'ah, o vovô é tão sozinho, coitado, deve sentir nossa falta, porque não conversamos com ele'.
Ah, 'mas que infeliz ideia!' digo eu.
De todas as pessoas do mundo ele é a que consegue me deixar mais desconfortável. Eu nunca sei o que falar, porque eu sei bem que tudo que eu falar vai ser criticado depois.
Antes, quando eu o via adotava um tom irônico, daí ele falou pra minha mãe não me levar mais lá porque eu só sabia fazer piadinha. Depois ele descobriu que eu sou vegetariana e me informou que isso é um atraso de vida, coisa de hippie. Depois eu adotei um tom mais acadêmico, daí ele falou que eu era muito ideológica.
E hoje eu fui visitá-lo. Até tirei minha camiseta do Che Guevara. Sentei na cadeira na frente dele e ouvi ele contar a mesma história que contou nas últimas duas vezes que eu fui. Ele fala sobre os colegas de ginásio dele que também vieram pra São Paulo fazer faculdade. Sempre com um tom satírico. Um ele diz que perdeu a vida atrás de um diploma de curso superior pra escrever um livreco que nao serve pra nada e acabar com parkinson. O outro é um destrambelhado marxista que fez de tudo pra ir pra União Soviética, que aliás é outro atraso de vida, e no fim não conseguiu.
Ele fala dos dois, sempre, me mostra os livros, me mostra a estante de madeira no fundo da casa. Nunca fala sobre ele, nunca pergunta sobre mim. Me oferece refresco de açaí, vencido em 2007. Eu vou embora.
Saco cheio. Ele diz que tem pena de todo mundo que vive, que ninguém merece viver nesse mundo, que é um mato sem cão.
Eu digo, quem não tem cão caça com gato! caralho.
(Diria, quero dizer, já que não posso mais ser irônica na frente dele.)
que tristeza
Há 5 anos