sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Paraíso

O Paraíso, se este existir, é uma praia de areia fofa e branca que não gruda na pele, com o mar manso com as águas que não fazem o olho arder, e com sol fraco.
No Paraíso você pode pintar o cabelo da cor que quiser, e ele não vai ressecar. Quando o corintias joga, ganha, de virada, que é sempre mais gostoso. Todas as comidas são gostosas como um macarrão de molho branco com brócolis que eu fiz em meados de outubro e nunca consegui fazer igual. Todos os cafés são perfeitos, nunca aguados, como de restaurante de beira de estrada. Toda caipirinha é como a do Bartificial. Lá, só toca música boa, nunca aquelas que os carros passam tocando no campus da unimar. O transporte não é feito pela fergo, em hipótese nenhuma.
O problema do paraíso é deus. Aquele prepotente que fica te olhando o dia inteiro, olhando enviesado pra toda brincadeira boba que você faz (bem sabem que eu posso até não comer, ou dormir, mas ver um fusca azul e não socar ninguém está fora de cogitação). deus é um saco, fica te julgando o tempo todo e vê problema em tudo que você fala. Se eu conseguisse erguer a sombrancelha, eu o faria para deus. deus é um neurótico, daí você nunca fica à vontade, não pode contar piada preconceituosa, falar palavrão, remedar vendedores que erram informação, deixar louça sem lavar ou dormir de calcinha.
Daí deus te faz cansar do paraíso.

obs: pra chegar no paraíso, é um inferno, pra voltar, também.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Sobre a adolescência (ou Me Ouve!)

Eu queria escrever um monte de coisa, mas pareceria adolescente demais.
Eu queria colocar cada um no colo, bagunçar o cabelo e falar 'bobinho, tá fazendo tudo errado. agora me ouve.
Pegar um e dizer 'meu amor, pára de fumar, pára de me dar o bolo pra conseguir drogas, coma, pelo amor de qualquer deus que vc acredite, coma.'
Pegar o outro e dizer 'fofo, arranje um pouco de amor próprio, não é hora de rastejar, aliás, não deveria rastejar nunca. tenho vontade de pisar nos dedos das suas mãos e gritar ISSO N É AMOR'
Segurar a outra, firme, num abraço, e dizer 'bobinha, páre de cortar os pulsos. isso me irrita até o fundo da alma, entristece cada célula do meu corpo, dá vontade de te matar eu mesma só pra te fazer querer viver. que eu te quero o melhor, e o melhor não é assim que vc vai conseguir'

Queria surtar de uma vez por todas e cortar o cabelo dos três.
Me ouçam por favor. Que eu me preocupo mesmo.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Sobre Folia (ou Acóóóódeee)

Carnaval é outro daqueles estados de espírito, como o Rio de Janeiro.
Não sei se todos vocês sabem, mas eu sou porta-bandeira da Unidos da Vila Operária. Bairro em que meu pai nasceu, cresceu, se criou e criou.
Eu desfilo desde os 3 anos de idade, e vou desfilar pra sempre. Não consigo imaginar um ano não estar aqui pra descer com a minha escola na avenida.
Carnaval é dessas coisas inexplicáveis. São várias pessoas trabalhando por um objetivo em comum, por 'amor à escola'. A gente se estropia todo, passa dias, semanas, senão o ano todo trabalhando duro, fazendo fantasia, enfeitando carro alegórico, bordando, pra 3 dias de festa, nos quais a gente se machuca mais.
Só sei que acaba todo mundo com bolhas nos pés, com os ombros machucados, eu com a cintura marcada, os meninos da bateria com a mão calejada. Mas acima de tudo, todos absurdamente felizes. Chega a quarta-feira de cinzas e todos estão apaixonados, cantando pra quem quiser e quem não quiser ouvir o samba-enredo. E é uma coisa bonita mesmo de se ver.
Agora a pouco saímos do nosso último desfile. Quem se xingava no sábado, hoje se abraçava. Dançavamos todos juntos, gritando nossos bordões, comemorando por ter sobrevivido a mais um carnaval, e pelo Jorge ter sobrevivido também.
Daí estavamos no ônibus, cantando os clássicos de onibus (toda vez que eu chego em casa a barata da vizinha tá na minha cama) e eu olhei pela janela e todo cansaço bateu. Veio 'É de lágrima' na cabeça. E desde então estou melancólica.

Pois é... deixo de citação o samba da União da Ilha de 2008, meu favorito.
"É hoje o dia da alegria, e a tristeza nem pode pensar em chegar"

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Sobre as noites

Eu acordei suando. Primeiro pensei que já era dia, pois seria impossível fazer tanto calor numa madrugada. Tirei a blusa e deitei no chão empoeirado. Só rolei pro chão, na verdade. Fui afastando o monte de tralhas que eu vou acumulando em volta da minha cama, pra se uma hora precisar. Derrubei minha bolsa aberta e as coisas que vou acumulando dentro dela, pra se uma hora precisar, se esparramaram. Chutei a garrafa de água vazia. Fez barulho. Me perguntei se acordara alguém. Se haveria alguém dormindo. Se haveria alguém. Se seria hora de dormir. Que horas seriam afinal? Tateei a cama e os arredores, revirei os lençóis e os travesseiros, as coisas que caíram da bolsa, procurando o celular. O celular, obviamente estava se escondendo de mim em algum lugar que eu não fosse procurar. Apertei qualquer tecla. 1 ligação perdida. Lembrava remotamente de ter abafado, com irritação, o toque do celular durante o sono. Não quis ver quem era, mas eu sei quem era. O relógio no canto direito inferior marcava 03:04, claro. Suspirei.
Voltei pra cama, me cobri, sentia frio. Como se tivesse me deitado num ringue de patinação e não no chão. Percebi que não ia voltar a dormir. As vezes eu acho que nunca mais vou conseguir dormir. Até que eu durmo. Mas hoje eu não iria dormir. Suspirei.
Procurei minha blusa, vesti, levantei, abri a porta. A casa toda escura. Fui andando pelo chão empoeirado, acendendo as luzes no caminho. Abri a geladeira, parei alguns segundos, procurando algo que não estava lá. Nunca o que a gente procura está na geladeira. Peguei uma garrafa de água. Peguei um copo. Coloquei os dois, o copo e a garrafa, na mesa e me sentei a sua frente.
Eu não enchi o copo. Abracei as pernas e comecei a chorar, mas o choro não vinha, era só um nó na garganta. Nó de quem segura alguma história que não escreveu e não pretende contar.
Pensei em ligar pra quem tinha me ligado e dizer 'Você tá acordado? Eu to muito perturbada. Vem cá?' Mas não ia ligar. Pensei em ligar pra quem sempre me liga nas madrugadas e dizer 'Você tá acordado? Eu to muito perturbada. Vem cá?' Mas não ia ligar.
Então enchi o copo. Bebi a garrafa inteira. E dormi.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Sobre as manhãs

Manhã me deixa enjoada.
Talvez não sejam as manhãs que me enjoem, talvez eu que seja enjoada com as manhãs.
Manhã me deixa meio aérea.
Eu olho o relógio e não reconheço a hora, penso em informar alguém que a pliha está fraca, porque ele marca quinze para as nove. Mas me lembro que olhei pro mesmo relógio as três e ele marcava a hora certa, de modo que deve ter rodado até as nove nesse meio tempo. Daí me assusto.
Eu sento à mesa pra tomar café com a minha vó e com a Elisete, mesmo que já tenha tomado três xícaras antes delas acordarem. Elas só falam do carnaval, e eu não aguento mais falar/ouvir/pensar do/no carnaval. Daí eu me distraio vendo os cachorros andarem pelo páteo. Cagarem pelo páteo. Lamberem o cu um do outro.
Manhãs me entediam.
Talvez não sejam as manhãs, o relógio, as conversas ou os cachorros que me entediem. Talvez eu seja entediada naturalmente. Um poço de tédio esperando por alguma ação. Mas ação me entedia.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Sobre o que eu perdi/perco/perderei

Eram 6:27 quando me perguntei uma pergunta muito frequente: 'e agora?'
Eu tinha acabado de deixar minha irmã e as meninas que [não] dormiram aqui em casa na escola. Elas tinham acabado de atravessar correndo o portão que o Laerte tinha acabado de abrir. Eu não sabia pra onde ir mas sabia que o mais lógico era voltar para o mesmo lugar de onde tinha vindo: casa. Mas ao mesmo tempo me parecia muito lógico assumir que se eu voltasse pra casa seria do mesmo jeito que tem sido desde que eu vim pra cá. Eu deitaria na minha cama desarrumada, ligaria a tv, não encontraria nada, desligaria a tv, pegaria um livro pra ler, me cansaria, apagaria as luzes e dormiria. E mais um dia seria perdido.
E sensação de tempo perdido é das piores sensações do mundo.
Mais ou menos como no fim da apresentação de ballet, em que os videos que eu passei dias editando não rodaram no dvd, e a coreografia que eu passei dias ensaiando não pode ser dançado porque a música também não rodava. Mais ou menos como quando a prefeitura decidiu que não haveria competição entre as escolas de samba no carnaval, e todas as idéias que o Jorge e minha vó passaram o ano discutindo não faziam mais sentido. Mais ou menos como as horas passadas na cadeira na frente do meu avô. Mais ou menos como dormir mais que 8 horas por dia. Mais ou menos como tirar xerox e não ler, e ler e descobrir que não era o texto certo.
A pergunta é: como não perder meu tempo.
E eu vim, dirigindo pelo mesmo caminho que percorri tantas vezes nos ultimos, sei lá quantos anos, os postes se apagando enquanto o sol iluminava o que ficava para trás.
Eu não quero mais nada disso, nada do que fica pra trás, mas o que sobra é só escuridão. E a escuridão, essa nunca fica pra trás.